Cenário histórico recebeu malhada e desfolhada, em Marrancos


Reviveu-se, com saudosismo, uma malhada do centeio e uma desfolhada do milho tradicionais, esta tarde, 16 de agosto, num cenário deslumbrante e histórico, como a Quinta de S. José, na freguesia de Marrancos. O presidente do Município de Vila Verde malhou, a vereadora da cultura desfolhou e a presidente da União e Freguesias de Marrancos e Arcozelo orientou a parelha de vacas que trouxe o milho. A tarde foi de festa, em mais uma etapa da programação Na Rota das Colheitas.

O sol brilhou na esplendorosa Quinta de S. José, uma Casa de Lavoura particular, fundada no século XVIII, com extensos hectares de vinhas, castanheiros, pomar e outras culturas.

O dia quente permitiu aquecer a eira e estender o centeio, cedido pelo Sr. Abílio Ferreira, presidente da Associação Recreativa e Cultural de Marrancos e um dos ‘pais’ do Museu do Linho. Apesar dos malhos ‘enferrujados’, a jornada rendeu e o centeio foi malhado com a ‘pujante delicadeza’ que a tarefa exige. Até o presidente do Município, Dr. António Vilela, um convicto aficionado e conhecedor dos segredos da ruralidade, revelou a sua destreza, juntando-se a um dos grupos.

“É sempre importante organizar eventos que reproduzam aquilo que era a atividade dos nossos antepassados e promover vivências que nos façam lembrar essa realidade”, referiu o presidente do Município. “Nós tínhamos uma economia essencialmente rural, associada também à componente cultural. A organização destes eventos tem por objetivo chamar a atenção para esta autenticidade que ainda existe em Vila Verde e que, conjuntamente com os nossos agricultores, se possa aproveitar estes momentos únicos, e que não sabemos até quando vão se poder proporcionar”, lembrou Dr. António Vilela, chamando a atenção para a evolução dos tempos: “embora se note agora um regresso à atividade agrícola não quer dizer que a mesma se faça como no passado.”

O presidente do executivo salientou o aspeto agregador de uma extensa programação como a Rota, num concelho extenso como Vila Verde: “as pessoas, sem haver encargos praticamente para o Município, conseguem montar quadros únicos, que têm a ver com um certo saudosismo de reviver o passado. Só com ajuda destas pessoas é que se consegue criar atividades como uma malhada ou desfolhada de maneira tradicional. Está aqui um potencial que não deve ser desperdiçado.”

Mais tarde, uma parelha de vacas, conduzida pela presidente da União de Freguesias de Marrancos e Arcozelo, Anabela Fernandes, trazia um carro com as canas de espigas para desfolhar, uma produção familiar providenciada pela própria autarca.

“Costuma se dizer que o primeiro milho é para os pardais e nós nisso fomos muito precoces”, brincou Anabela Fernandes, uma mulher orgulhosamente descendente de famílias de lavradores.



Porquê juntar duas atividades numa só? “Eu já estava a planear fazer uma desfolhada neste mês para as pessoas que estão emigradas. Como o Sr. Abílio disse que tinha centeio, resolvemos juntar a malhada do centeio, embora esta atividade não estivesse a cargo da nossa freguesia”, explicou a autarca.

A questão fundamental prendia-se em providenciar uma eira para malhar o centeio. Anabela Fernandes não poupou elogios à família que abriu as portas da Quinta S. José, uma autêntica Casa de Lavoura: “Eles são maravilhosos, umas pessoas muito acessíveis, encantadoras mesmo. Durante esta semana viemos cá, preparar o cenário e trabalharam como nós, de uma colaboração inexcedível connosco.”

A espectativa de uma atividade mágica, num cenário ‘de sonho’ da ruralidade estava criada e concretizou-se, muito graças às pessoas da freguesia e especialmente à Associação Recreativa e Cultural de Marrancos. “Não é para nos gabar mas temos uma associação muito empreendedora, Dá gosto, porque qualquer atividade se concretiza com maior facilidade e entusiasmo”.

Depois da malhada protagonizada pelos homens, as mulheres juntaram-se em torno das canas e desfolharam, entre elas a vereadora da cultural do município de Vila Verde, Dra. Júlia Fernandes, também fã destas tradições. A atividade foi animada pelos cantares populares. Serviu-se ainda merenda e água pé aos presentes.

Os mistérios da Quinta de S. José


A Quinta de S. José é provavelmente uma das casas de lavoura mais antigas do concelho de Vila Verde. Isabel Duarte, a filha dos proprietários, conduziu-nos numa visita guiada durante a tarde, mostrando os cantos à herdade e especialmente, do ex-libris da herdade, a capela privada em honra de S. José.

Restaurada há quatro anos, a capela fica dentro dos portões da Quinta e pensa-se que terá sido construída antes desta. “Esta capela cruzava os Caminhos de Santiago e pensa-se que a casa terá sido construída como albergaria para hospedar os peregrinos”, revela Isabel Duarte.

Desconhece-se o real motivo da construção da capela, mas o principal objetivo da mesma foi, durante várias gerações, servir de túmulo aos proprietários da Quinta. “Os nossos antepassados estão todos sepultados aqui, por baixo deste altar”, salientou Isabel, “cada familiar que falecia, era um santo novo que subia ao altar com o seu nome”.



Há outras histórias, mais recentes, reveladas e protagonizadas pelo seu avô, José Oliveira Faria, um médico muito prestigiado e estimado na região e que privava frequentemente com o escritor José Régio, também ele médico, aquando das suas visitas à Quinta.

“O meu avô chegou a receber uma espécie de ‘ultimato’ do arcebispo de Braga, de quem era amigo, porque este achava que a Capela deveria ser pública. Então exigia que o meu avô recuasse os muros da Quinta ou abrisse as portas, uma condição a que ele nunca acedeu”, conta isabel Duarte. O pai desta, atual proprietário, José Peixoto Duarte, vai mais longe nos detalhes: “o meu sogro dizia que antes preferia derrubar a capela do que tornar o seu acesso público, e com esta ‘ameaça’ o arcebispo nunca mais insistiu”.

Porém, duas exceções foram abertas: “Com a procissão de S. José, porque a capela é dedicada a esse santo e talvez por o meu avô assim se chamar também, o tenha feito condescender; e a outra é permitir o acesso, quando a Igreja de Marrancos estivesse em obras”.

Isabel revelou ainda que, durante as últimas obras de restauro, há quatro anos, descobriu-se um livro manuscrito do século XVIII e que contará a história da casa e da capela, “mas ninguém ainda o soube decifrar”, acrescentou. “Tenho a certeza que esse caderno conta também parte da história deste concelho, o que revela a sua importância histórica e cultural”, concluiu.

Comentários