Gondomar recriou malhada de centeio à moda antiga
Ao chegar à freguesia de
Gondomar a sensação é de que se recuou no tempo algumas décadas. Campos
verdejantes até perder de vista ligados pela linha do horizonte a um céu de um
azul intenso, como as tardes de agosto devem ser. Os caminhos íngremes, com
muros em pedra, conduzem os visitantes até uma das mais antigas casas de
lavoura da região, no lugar de Nogueira. Ali, homens e mulheres, envergando os
trajes de outrora, esperavam o carro de bois que havia de chegar carregado de
centeio. As mulheres dispõem o cereal em piadas, depois, duas filas de homens
(cada uma composta por cinco a sete elementos) entram em despique enquanto
batem repetidamente o malho contra o centeio dourado pelo sol. No fim,
recolhem-se as sementes e retemperam-se forças com uma boa merenda de broa,
bacalhau e vinho. O toque de modernidade foi dado por todos que, tal como nós,
não resistiram a utilizar os aparelhos de fotografia e vídeo para eternizar tão
belo momento.
Foi assim mais uma
Malhada de Centeio, que decorreu na tarde de hoje (8 de agosto), em Gondomar,
numa iniciativa organizada pela Junta da União de Freguesias de Aboim da
Nóbrega e Gondomar, inserida Na Rota das Colheitas, do Município de Vila Verde.
O evento foi ainda abrilhantado pela atuação do Grupo Folclórico As Lavradeiras
de Aboim da Nóbrega e por uma forte massa popular que se deslocou à freguesia
para participar na festa, provando de forma contundente que em Vila Verde a
tradição ainda é o que era. Trata-se de uma recriação fiel de uma prática ancestral
que possui uma simbologia muito especial, como recordou o presidente da Câmara
Municipal de Vila Verde, António Vilela. “Esta é uma iniciativa emblemática
porque se realiza numa das freguesias mais típicas do mundo rural e em que se
representa de forma mais fiel as vivências dos nossos antepassados, numa casa
de lavoura muito antiga”, referiu.
Tradição, cultura e turismo
O autarca prosseguiu
sublinhando que este tipo de iniciativas acabam por cumprir um duplo propósito,
com um impacto muito positivo para os sectores económico e cultural. “Vila
Verde valoriza e promove as suas tradições. Começou agora a Rota das Colheitas,
uma iniciativa que reúne um conjunto de festas em que se recriam e celebram as
tradições vilaverdenses. As nossas gentes têm um orgulho enorme nas suas raízes
e, assim, foi possível criar um cartaz cultural emblemático, que é hoje também
um cartaz turístico do concelho de Vila Verde”, frisou António Vilela,
acrescentando que esta estratégia se tem revelado extremamente profícua.
“Procuramos ancorar a nossa atividade nas tradições para gerarmos atratividade
em termos de visitantes para as nossas terras. Através da tradição é possível
valorizar o território, mobilizar e dinamizar as pessoas. É uma estratégia que
tem resultado claramente, como se comprova hoje, em que temos uma ‘casa cheia’,
num dia para reviver ou conhecer estas tradições e momentos únicos”, afirmou o
presidente da Câmara.
A tradição continua viva
A organização da malhada
ficou a cargo a Junta da União de Freguesias de Aboim da Nóbrega e Gondomar,
que não esconde o orgulho nos usos e costumes locais. Atualmente, a produção de
centeio baixou drasticamente, o que reforça ainda mais a importância da
iniciativa, como referiu o autarca local. “Hoje em dia a produção é muito
menor. Quando eu era criança colhia-se largas centenas de quilos de centeio. Esta
malhada de centeio permite aos mais velhos recordar a vida nos velhos tempos e
aos mais novos aprenderem como era a vida antigamente. Estes jovens podem assim
conhecer os modos vida de Gondomar e Aboim”, disse João Rodrigues Fernandes. O
presidente da União de Freguesias lembrou ainda que a freguesia de Gondomar
apresentava resultados ímpares no cultivo do centeio: “Em tempos idos, estes
terrenos verdes estavam todos dourados no verão, todas as famílias tinham
grandes campos de cultivo”.
A voz dos atores locais
Aos 79 anos de idade,
Almerinda Gonçalves já perdeu a conta ao número de malhadas de centeio em que
participou, mas cada regresso à eira é motivo para mais um dia de alegria e de
boas recordações. “Antigamente juntava-se toda a gente da freguesia. Havia
muitos carros de bois carregados de centeio e tinha que se malhar de manhã até
à noite sem parar. Isto é muito bom para matarmos saudades e para os miúdos
verem estas coisas bonitas. Tenho saudades de ver a eira cheia de centeio”,
recordou.
O sentimento de Carlos
Sousa Alves não é muito diferente. Aos dez anos de idade já tinha o seu próprio
malho e ainda hoje ostenta orgulhosamente as suas iniciais cravadas no malho
que usou nesta iniciativa. O espírito de entreajuda entre a comunidade é uma
das lembranças que tem daqueles tempos. “Na casa dos meus avós todos os anos se
malhava o centeio. Antigamente, a comunidade juntava-se para este ofício,
porque são necessários 5 a 7 homens de cada lado e só era possível se a
vizinhança ajudasse”, referiu acrescentando que este evento “é muito bonito e é
uma boa forma de se manter a tradição da nossa terra”.
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